O que aprendi durante minha quarentena em Singapura
- BADDU
- 18 de abr. de 2021
- 6 min de leitura

Desde o início eu soube que minha viagem para Singapura não seria uma viagem qualquer. No primeiro momento em a oportunidade surgiu, estive aberta para o que tivesse que acontecer.
Nunca sonhei, nem pensei que moraria em Singapura, por menos tempo que fosse. Sempre sonhei em morar na França, ou em algum outro país da Europa, quem sabe, mas Singapura nunca esteve em meus planos.
Mas, às vezes, nem tudo é, perfeitamente, como queremos e se tinha uma coisa da qual eu tinha certeza era de que eu queria passar um tempo fora do país. Pois bem, ao saber que Singapura era uma opção, comecei a me preparar para entender melhor esse movimento e tentar vizualizar todas as oportunidades envolvidas.
Três meses e meio era o tempo em que eu passaria lá, e como utilizar esse momento, em que eu não estaria trabalhando para aproveitar e fazer tudo o que eu quisesse? A alegria era tanta, a necessidade desse momento era tão grande, que logo me perdi diante de tantas opções. Comecei a selecionar cursos e mais cursos. Aquarela, pintura, argila, moda, design, fotografia, culinária, arte renascentista e até curso sobre como fazer sabonetes artesanais. Além dos cursos, meu cronograma já estava preenchido com aulas de Yoga, corrida, musculação, inglês e tudo para que eu tivesse uma alimentação balanceada. A ansiedade para a escolha do que fazer fez com que eu simplesmente não escolhesse nada, e deixasse para decidir quando eu estivésse lá.
Um mês antes de minha ida, surgiram os primeiros caso de Covid na China, e em seguida Singapura era uma das cidades com mais casos. Cancelar minha viagem estava fora de cogitação, já que meu namorado já havia ido e estava me esperando. Eu jamais deixaria de encontrá-lo depois de meses conversando, sonhando e planejando como seria essa fase de nossas vidas juntos. Fui mesmo assim, e no dia de minha ida, alguns casos já estavam aparacendo no Brasil.
Nosso voo de ida foi tranquilo, porém ao chegar em Paris, para minha escala, o clima estava de muita tensão. O aeroporto estava quase vazio e a França já apresentava alto número de casos. O voo para Singapura estava praticamente vazio e aquilo foi inédito para mim. Quando estávamos pousando, avistei do avião, a praia de Sentosa junto a um lindo campo de golf e aquilo me deu uma alegria e alívio que jamais conseguirei explicar. Durante a ida até o apartamento, passamos por ruas tão floridas e com tantas árvores que de uma coisa eu tive certeza, aquele lugar era um paraíso!
Apesar de algumas restrições por conta do Covid, tudo ainda estava aberto, mas devido ao fuso horário, passei as duas primeiras semanas tentando me adaptar. Ao terminar essas duas semanas, quando eu estava preparada para começar a viver tudo o que eu tinha direito, o governo anunciou que tudo estaria fechado pelas próximas duas semanas, com exceção de supermercados e farmácias.
Minha primeira aula de inglês foi online, no quarto, ao lado da sala em que meu namorado, o Du, trabalhava na mesa da cozinha. Nosso apartamento tinha 50 m². Às vezes, parecia ter 200m², às vezes, 5m². Nossa sorte, é que ele tinha uma varanda bem grande, com uma cadeira de balanço linda e muitas árvores, bem na frente.
A expectativa era de que as aulas fossem online apenas por duas semanas, como o prometido pelo governo, porém extenderam-se por mais duas. Eu estava tranquila, afinal haveria tempo de sobra. Eu ainda tinha 3 meses pela frente, e ainda estava me adaptando à nova rotina.
Após nosso primeiro mês de quarentena terminar, e de eu ter tentado usar aquele tempo, realmente, para descansar, já havia decidido que estava pronta para Singapura, e então o governou se pronunciou. Devido ao aumento do número de casos, para a segrança de todos, a quarentena seria extendida por mais 2 meses sendo que, deveríamos nos manter somente em nossos bairros, sair apenas para o essencial, não receber visitas e nem encontrar amigos em locais públicos, praticar esportes sozinhos e com exceção do uso de máscaras apenas para corrida. Neste dia, consideramos retornar ao Brasil.
Ao tentar compreender, qual seria meu maior ganho nessa situação, descobri que treinar minha resiliência seria um deles. Passamos os próximos dias, juntos em nosso apartamento, no qual cozinhamos, rimos, e conversamos, sobre tudo. Cada questão que surgia era motivo para compartilhar, ouvir, conversar, refletir e às vezes, chorar.
Além da resiliência, também ganhei criatividade, paciência, praticidade, força e um melhor condicionamento, uma vez que a corrida tornou-se parte de nossa rotina. Correr pelas ruas de Singapura, foi uma experiência de que já mais me esquecerei. Corremos pelos bairros, pelos parques, passarelas, avenidas, mansões, passagens subterrâneas, corremos de tarde, de manhã e à noite. Corremos um ao lado do outro, sob um calor inimaginável junto à uma humidade de 90%, até a roupa estar toda encharcada. Apesar de ser a mais difícil, acho que a corrida de que eu mais gostava, era a do Jardim Botânico, com seus caminhos escuros durante à noite, e uma infinidade de árvores.
Após conversarmos, rirmos, e convivermos juntos durante 24 horas por dia, faltavam duas semanas para voltarmos ao Brasil, quando o governou anunciou o fim do Lock Down. Por coincidência, também era o último dia de meu curso de inglês. Tive o presente de conhecer as amigas que fiz nesse dia, quando uma delas nos convidou para tomar um café em sua casa. Já tinha aceitado que isso não iria acontecer, mas no fim, ganhei esse presente. E que presente! Minhas amigas, com as quais passei todas as manhãs em Singapura via Zoom, compartilhando todos os tipos de sentimentos que passavam por nós. Uma polonesa, uma francesa e duas japonesas. Como éramos parecidas, como nos divertimos naquela tarde.
Ao final do dia, eu e o Du, jantamos Chilli Crab, um prato que ele fez questão que eu experimentasse desde o primeiro dia. Estava delicioso! Muito mais do que eu esperava. O nome do lugar era Long Beach, em Dempsey. Naquela noite, voltamos caminhando, em mais um noite quente, porém mais felizes do que nunca!
Durante os próximos dias, trocamos a corrida pela comida. E ao invés de corrermos, comemos. E como comemos! Fomos em restaurantes chineses, japoneses, koreanos, franceses, espanhóis, italianos, e brasileiros, tínhamos reservas para praticamente todos os dias. Conhecemos restaurantes estrelados, e em uma dessas noites fui surpreendida com um anel de noivado! Nessa noite, ri, chorei, tiramos fotos nas quais não podíamos disfarçar o brilho em nossos olhos. Não sabíamos se estávamos mais felizes pelo nosso noivado, ou pela abertura da cidade, pela qual esperamos tanto. Tudo o que queríamos era ver, viver, conhecer, experenciar, tudo o que tínhamos direito. Não tínhamos tempo a perder. Acho que, o que eu e o Du temos mais em comum, é a vontade experenciar tudo o que a vida pode nos dar.
Nossos dias em Singapura já estavam chegando ao fim, e em nossa última noite, o principal ponto turístico da cidade abriu suas portas para visitação. O Sky Park do Marina Bay Sands. Fomos até o último andar, onde só havia nós dois e mais um casal. Tudo estava tão silencioso... a vista mais linda da cidade se compôs com um belíssimo pôr-do-sol. Íamos de um lado para o outro, tentando pegar o melhor ângulo, afinal tínhamos todo o espaço para nós. Após ver a cidade de todos as vistas possíveis, de tarde, ao entardecer e à noite, descemos e fomos jantar.
Cancelamos nossa reserva em um famoso restaurante italiano, pegamos um ônibus, e fomos sentados no segundo andar, para termos certezas de que não iríamos perder nada. Fomos comer Hor Fan, um dos pratos favoritos do Du. Não era o meu preferido, mas por incrível que pareça, eu achei o prato delicioso naquela noite.
Depois do jantar, recebemos um amigo que iria ficar com as coisas de nosso apartamento. Ficamos conversando até tarde naquela noite, sobre todos os tipos de assuntos. Fiquei orgulhosa de mim, por finalmente ter conversado tanto tempo em inglês. No dia seguinte, tudo havia chegado ao fim. Dissemos adeus ao nosso apartamento e desejamos, juntos, um dia poder voltar, e rever aquele lugar dizendo um ao outro: "se lembra de tudo o que passamos aqui?"
Quando um dia, decidi passar um tempo em Singapura, estava certa de que iria dedicar esse tempo para aprender. Pesquisei todos os tipos de cursos possíveis, porém não foi possível fazer nenhum deles. Tudo estava fechado. Tudo precisou estar fechado para que eu entendesse, que o que eu queria na verdade, era ser outra pessoa. Era buscar conhecimento em cursos que eu acreditava que iriam me transformar em alguém melhor, mais inteligente, com mais credibilidade talvez. Eu buscava, incansavelmente, por algo fora de mim. Mas já estava em mim. Estava em meu silêncio, em minha quietude, no outro, quando visto como um espelho de mim mesma. Estava na "falta do que fazer", em cada riso, choro, conversa, olhar...
Acho que um de meus principais aprendizados, foi de que muitas vezes é preciso parar, fazer menos, bem menos, para ter clareza do que é realmente importante fazer. Eu sempre adorei ter uma agenda cheia. Sempre gostei de sair, viajar, ir em restaurantes e me encher de compromissos. No fundo, eu me sentia sempre com uma espécie de ansiedade, com a necessidade de buscar usar meu tempo de forma mais útil. Sentia a necessidade de parar de me "inspirar" tanto nos outros, e "ser" de fato, quem eu quisesse ser. E para isso, fui parar em uma ilha do outro lado do mundo, para ficar dentro de um apartamento durante 3 meses, sem qualquer compromisso. Obrigada Singapura, por ter sido meu cenário querido. Obrigada Du, por ter criado comigo, essa Singapura única, cenário de tantas descobertas.
Registros de alguns momentos especiais
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